“Ele me iludiu dizendo que ia arrumar emprego. Três pessoas morreram na fazenda”.
Hoje vamos voltar a contar mais um capítulo da vida de um dos personagens da história que chocou São Fidélis e região, e que o SF Notícias acompanha desde o dia 26 de abril do ano passado, quando em uma operação, a Polícia Civil estourou um cativeiro, libertando homens que eram mantidos em condição análoga à escravidão na localidade de Angelim, que pertence ao 4º distrito.
A operação foi montada após uma das vítimas ter fugido no dia anterior da fazenda onde eram obrigados a trabalhar por mais de dez horas por dia, e procurar a delegacia no centro da cidade. Cinco homens (Roberto de Oliveira, de 36 anos, Davi Pereira Ferreira, 38 anos, Cirlei Rodrigues Moreira, de 36 anos, Romério Mota Rosa, de 26 anos, e o nosso entrevistado dessa matéria) eram mantidos presos em um quarto numa situação sub-humana.
Nossa equipe de reportagem pegou a estrada e foi até um município no Noroeste Fluminense, onde localizamos Manoel Ferreira, de 76 anos, uma das vítimas do fazendeiro de São Fidélis. Ele passou 30 anos trabalhando para Paulo César Azevedo Girão, dona da fazenda, e para seu filho, Marcelo Conceição Azevedo Girão, e durante boa parte desses anos, assim como seu filho e mais outros homens, ele foi feito de escravo.
Durante esse longo período, Manoel acabou ficando cego, mas 12 anos depois de perder a visão, ele foi operado em um hospital no município de Itaperuna no final do mês de julho desse ano, e voltou a enxergar. Todo o procedimento aconteceu com ajuda da prefeitura do município em que ele está morando, segundo a família. “Vou te levar no médico pra ver; e se for mentira, você vai trabalhar dia e noite”, disse Girão para Manoel, quando ele alertou ao fazendeiro que não estava vendo nada.
Manoel contou que perdeu o contato com sua filha, com quem ele está morando agora, quando ela tinha um ano e seis meses, após se separar da sua esposa, e a partir daí, começou a escravidão em sua vida.
“Ele me iludiu dizendo que ia arrumar emprego e que lá ia ser bom. No começo ele até pagou, quando eu ficava na casa dele, mas depois que fui para o quarto, não vi mais nenhum centavo até hoje”, contou Manoel, que durante a conversa, falou ainda que o proprietário da fazenda, disse que iria arrumar um quarto pra ele ficar, mas o quarto na verdade, era o cativeiro.
“Vi a polícia chegando e levando o Roberto Melo de Araújo (responsável por vigiar e trancar as vítimas)”. Manoel disse um policial que era parente do fazendeiro, sabia o que acontecia, e que o fazendeiro, escondia as vítimas em uma vala, para não serem localizadas quando algum familiar ia procurar por eles.
“Em mim ele não batia, mas vi ele batendo em outros “funcionários”. Como se não bastasse ele ter sido feito escravo, seu Manoel também viu o seu filho, Davi Pereira Ferreira, 38 anos, ser tratado da mesma forma, e ficaram juntos por mais de dez anos no cativeiro. “Eu fui o primeiro a chegar. Depois de muitos anos eles chegaram. Eu avisei que lá não tinha dinheiro e não tinha direito a nada quando eles chegaram”.
Após a operação e colhimento dos depoimentos das vítimas, a Polícia Civil chegou a cogitar a realização de buscas por corpos de ex-escravos que morreram na fazenda. Durante a conversa com nossa equipe, Manoel disse que três homens morreram no local, e cita apenas os primeiros nomes de dois deles, identificados como Leandro e João, e do terceiro, ele lembrou apenas do apelido; ‘Boinha”.
As lembranças jamais serão apagadas, e durante os próximos meses, ainda serão descontados cerca de R$ 200,00 do salário mínino de Manoel, pois o fazendeiro usou seus documentos para pegar três empréstimos. Também voltamos ao local onde Manoel passou parte de sua vida, onde ficava o cativeiro, mas o local foi desmanchado. Vizinhos não quiseram falar sobre o assunto.
Culpados foram condenados: Justiça condena à prisão pai, filho e capataz por trabalho escravo em São Fidélis
Paulo César Azevedo Girão foi condenado há 10 anos e 6 meses, e seu filho, Marcelo Conceição Azevedo Girão, deverá cumprir pena de 7 anos e 6 meses. Já o capataz Roberto Melo de Araújo foi condenado a 7 anos de reclusão. De acordo com a denúncia do Ministério Público Federal de Campos, o pai foi o responsável pela contratação das vítimas, com a promessa de salário mensal. O filho teve a função de auxiliar o pai na administração do sítio e atuava diretamente na exploração do trabalho escravo. O capataz do sítio seria o responsável por manter os trabalhadores sob controle, com ameaças e agressões físicas, caso tentassem fugir.
Obs: respeitando o pedido da família, não identificamos visualmente a vítima.