Aldeia da Pedra: a expedição de Hermann Burmeister, em Itaocara

rio paraíba do sul itaocaraSaindo do Rio de Janeiro em direção a Minas Gerais em setembro de 1850 pelo caminho da serra, Hermann Burmeister passou por Nova Friburgo, Cantagalo e chegou à Aldeia da Pedra, atual Itaocara, originalmente redução indígena erigida na confluência do Rio Pomba com o Rio Paraíba do Sul. A floresta tropical do tipo estacional deixou o estudioso completamente fascinado. Árvores altíssimas, troncos grossos, complexidade interna jamais vista nas bem comportadas florestas temperadas da Europa, rica biodiversidade e tantas outras características levaram-no a não poupar elogios àquela vegetação luxuriante que custa a nós, atualmente, crer tenha existido em região hoje em processo de degradação.

Rio Paraíba do Sul em Itaocara. Desenho de Burmeister em 1850

Passando pelo cume da Serra do Mar, ele pôde perceber com clareza a diferença entre a vegetação de altitude e as matas estacionais do vale do Rio Pomba. É com muito deleite que seu espírito romântico descreveu as matas. Cento e sessenta e cinco anos após sua jornada pelos então bravios sertões do Pomba, suas palavras fascinam o leitor e enchem de saudade os amantes da natureza. Vamos lê-las:

RIO PARAÍBA ITAOCARA 2“A selva era muito diferente da mata que até então encontráramos, em regiões mais elevadas e montanhosas, nas faldas e nos cumes, menos vigorosa. Não somente eram mais altas, mas também mais majestosas, e o matagal e as moitas tão densos que não se podia ver as altas copas. Eu, que já conhecera exemplares gigantescos nas matas brasileiras, admirei, surpreso, os colossais troncos, que ali havia, e a densidade das árvores menores e mais delgadas, que os rodeavam. Era impossível distinguir-se, por entre a cerrada folhagem de suas copas e o entrelaçamento de suas ramagens, a forma destacada de uma delas. Nas abertas, entre os troncos, onde não havia vegetação menor, é que se podia ver o quanto estes eram altos. Tive ocasião de medir uma árvore abatida, que apresentava a grossura de 2 3/4 polegadas e o comprimento de 32 pés até os primeiros galhos. A mais grossa que vi devia medir uns 8 pés de diâmetro; estava perto de uma choupana de ‘puris’, mato adentro. Nessa parte da selva não encontrei uma só flor, nenhuma orquídea ou bromeliácea balouçava aí nos galhos das árvores, sob o impenetrável teto verde que cercava a vista. Nos pontos mais elevados dos troncos não se via outra coisa senão uma densa rede de folhas oscilando nas alturas.” Quem diria que o naturalista se refere ao escalvado Noroeste Fluminense?

SACDFGJHKLJKÇLNo caminho para Minas Gerais, Hermann Burmeister e seu séquito encontraram um grupo de puris na Serra das Frecheiras. Decidiram ali passar a noite. Ocorreu, então, um episódio singular: os nativos dançaram para os viajantes e estes retribuíram a cortesia. Sem mencionar as considerações preconceituosas do naturalista alemão, vamos ouvir parte do seu relato sobre a festa, digna de um samba-enredo.

“Junto ao fogo que ardia na lareira, a dança começou. Os homens avançavam em fila e pulavam em tempos diferentes, movendo, alternadamente, os braços. Assim, chegavam cantando até perto do fogo, onde voltavam para o ponto de partida. Os meninos seguravam os pais nos quadris, imitando-lhes os movimentos. O canto, muito nasalado, consistia em sons guturais monossilábicos. Enquanto os homens faziam seus movimentos rítmicos avançando e retrocedendo, sempre virando as costas ao fogo quando voltavam, as mulheres e as meninas, de lenço à cabeça, ficavam ao fundo, iluminadas por um menino que segurava um archote de madeira, cantando a meia voz, melodia semelhante e batendo, ao mesmo tempo, com os pés, como se marcassem compasso. Quando os homens cessavam o canto, as mulheres silenciavam também, o menino apagava seu archote com a maior rapidez e todos se misturavam.”

“A dança dos puris é a vida idealizada por eles, pois, na realidade, ela se compõe de trabalho e miséria, enquanto, na dança, é figurada como prazer e alegria. Para divertir os puris e acalmá-los um pouco, eu comecei a cantar algumas canções estudantis e o doutor secundava-me. O maior aplauso recebeu o dueto de ‘Don Juan’, ‘Dá-me a mão, oh vida!’, que eu e o doutor cantamos. Ambas as nossas vozes, o baixo profundo do doutor e o meu barítono, elevaram-se na noite silenciosa, admiradas pela assistência emudecida, e foi, decerto, pela primeira vez que na selva da serra das Frecheiras ressoaram as melodias de Mozart.”

“Mas, aos poucos, todos se sentiram cansados e adormeceram. Nossos anfitriões, tão alegres quão atenciosos, prepararam-nos esteiras para o repouso. Somente um pequeno de dois anos não queria dormir, apesar das tentativas da mãe. Tive pena dele e consegui embalá-lo no sono com a velha canção de berço alemã ‘A vaca malhada’. Finalmente, fui o último a dormir e passei uma ótima noite ao lado dos puris.”
Encontro memorável.

Artigo escrito por Aristides Soffiati

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